* QUEBRA-CABEÇA
Ele estava sentado num banco de praça, segurava o queixo com a mão e tinha o olhar distante. Naquele mosaico de concreto ele via muito mais do que ladrilhos no chão.
A ansiedade era palpável em seu rosto fechado, nas suas pernas inquietas e no jeito como coçava a cabeça que de forma alguma queria ficar quieta.
Ele pensava sobre o dia de ontem. Passava e repassava àquelas cenas tentando entender o que tinha acontecido, tentando buscar uma explicação, uma razão.
Sempre fora uma pessoa cautelosa e consciente. – Um homem bastante racional, é o que ele diria se lhe perguntassem quem é. Mas, ontem, a razão lhe fugiu.
O que aconteceu não foi pensado, foi sentido, foi além de sua alçada; e agora, nada mais fazia sentido.
Ele estava como que dividido no meio: um pouco dele estava nas nuvens, e a outra parte estava sentada naquele banco com os pés e os olhos no chão. Metodicamente ele tentava juntar suas partes, mas a leveza de uma insistia em inebriar a firmeza da outra.
Eu o observava de longe, vi a contradição contorcer seu rosto enquanto ele tentava encaixar tudo de forma precisa, quadrada e perfeita. Vi a dualidade dentro dele duelando entre si, vi tudo que se passava em seus olhos transparentes e distantes; e tudo que enchia a sua brilhante cabeça dura. O dia de ontem... o maldito (ou bendito) dia que bagunçou suas convicções e o deixou dividido, partido, quebrado.
Observá-lo era angustiante, mas mantive meu olhar - empático e curioso – sobre ele durante todo seu complexo processo de pensar o sentido. Foi assim que peguei o momento exato em que ele se irritou com todas aquelas peças que não mais se encaixavam e começou a juntar tudo de qualquer jeito, uma por cima da outra, uma através da outra; ele as misturou e uniu até confundi-las. Foi lindo vê-lo vencer a gravidade. Nessa hora ele impulsivamente esmurrou o banco da praça e se levantou para falar uma das palavras mais sábias já pronunciadas:
- Ah... Que se foda!
Abriu um sorriso e saiu andando leve.