Pixie
Friday, October 16, 2015
  PRESENTEANDO

Ela nunca se sentira tão presente, tão consciente sobre si e sobre tudo, ou quase tudo - o que é mais do que o suficiente.

Todos olhavam o que ela via, mas ninguém via como ela.Faltavam-lhes aqueles olhos famintos de quem quer sentir com todos os sentidos. Experimentar cada pedacinho. Cada som, cada cheiro... nem o fogo na parede que subia das velas, escapou aos olhos dela.

Ela degustava o tempo, engolia o momento - um a um. Sem pressa. Mais tarde, diria: - Que belo cantinho para abraçar.

A música chorava na viola, no saxofone e no pandeiro. Balançava a alma. O cheirinho de feijão no fogo dava as notas de fundo. E as velas, descontroladas e ardentes, decoravam o mundo.

Ela se sentia quase que uma intrusa, ali, de cantinho... engolindo tudo.

Sem pedir licença nem permissão, foi dançar pelo salão. Entre um rodopio e outro, ela tonteou. E virou.
Virou verso, virou música, virou ela mesma, os olhos para o mundo.
 
Tuesday, June 09, 2015
  HORIZONTES


Sem formalidades, por favor
Sem muitas regras, não posso com o seu rigor

Porque para que seja
Tem que ser leve e deixar levar
Criar asas
e gostar de voar
Não só despir a roupa
mas desnudar a alma
... se entregar

Sem formalidades, por favor
Eu não posso com o seu rigor
Tem que deixar ir e vir
Para que se vá e venha de novo
.... sempre novo

Tem que ter troca de pele
de risos, de libido
Tem que respirar profundo
Ofegar latente
E suspirar
... inspirados finalmente

Tem que se vestir de sol
De mato, de lua e estrelas
Fantasiar de universo
E se achar no mundo
Naquele momento
Que nasce e morre num beijo

Sem formalidades, por favor
O sol nasce todos os dias
e deixa um velho recado:
- Vem chegando mais um dia
De infinitas possibilidades
e nenhum pudor
... Tudo ao seu dispor.

 
Wednesday, December 24, 2014
  * O JOGO DA VIDA
Correndo o risco de parecer inculta, expresso aqui a minha opinião: nunca gostei de xadrez.

Joguinho estratégico, esquematizado, pensado e repensado, articulado para dissimular posições e pensamentos. Um jogo de dois, duplamente demorado, nublado, onde a espontaneidade não tem vez. É sempre um turno de cada vez.

Engraçado é que alguns gostam tanto desse jogo, que colocam a vida num tabuleiro de xadrez. E jogam com pessoas como peões, montadas a cavalo para importantes cargos, coroando o próprio ego e defendendo-o como rei.
No grande jogo da vida onde cada um tem um papel e devemos esperar, cada um à sua vez.

Falando de mim, digo sem frescura: falta-me paciência para o jogo. Nunca fui boa em depender do movimento dos outros para tomar minhas próprias decisões. Também não sou boa estrategista, não repenso muito meus movimentos imaginando reações oponentes, eu só vou e me mexo, me remexo, confortavelmente e ao meu tempo. Não vejo turnos, vejo momentos.

Sem caminhos complicados, dissimulados... Vou em linha reta toda vida, a vida toda, até encontrar todas as peças, tudo o que eu espero de tudo e de todos.
Até que a vida me encurrale num canto e, de mansinho e baixinho, lance seu xeque-mate. E Fim do jogo.
 
Thursday, July 15, 2010
  * ASSIM EU SOUBE
Vem cá, garota, tenho um segredo pra te contar
Pois soube que este mundo é redondo, e que foi feito pra girar
É por isso que volta e meia, tudo que você quer
Só é ver tudo de pernas pro ar

Ouça bem, depois não diga que não lhe falei
Pois me contaram que este mundo é uma bola
E que foi feita pra brincar
E adivinhe só... Está na sua vez de jogar
Então, vamos lá...

Jogue um sorriso nesse seu rosto
Seus quadris de um lado pro outro
Jogue mais cores nesse olhar
Uma, ou duas boas idéias pra lhe ocupar
E, depois, vem cá...

Pois tenho uma coisa pra te falar
Soube que, volta e meia, o tempo não tarda a rodar
Naquele seu velho, e tão eterno, brincar de girar
É nessas horas que você deve ter estômago pra entrar no jogo
Mas calma, garota, eu te ensino... Vamos lá

Jogue um graveto pra um cachorro sem dono
A perfeita cereja pra decorar seu bolo
Jogue mais curvas no seu plano
Mais fantasia no mundano

Seja como for...
Aprenda a se divertir neste jogo
Pois você nunca sabe, garota
Quando a mesa irá virar de novo
 
Wednesday, May 26, 2010
  * QUEBRA-CABEÇA
Ele estava sentado num banco de praça, segurava o queixo com a mão e tinha o olhar distante. Naquele mosaico de concreto ele via muito mais do que ladrilhos no chão.
A ansiedade era palpável em seu rosto fechado, nas suas pernas inquietas e no jeito como coçava a cabeça que de forma alguma queria ficar quieta.
Ele pensava sobre o dia de ontem. Passava e repassava àquelas cenas tentando entender o que tinha acontecido, tentando buscar uma explicação, uma razão.
Sempre fora uma pessoa cautelosa e consciente. – Um homem bastante racional, é o que ele diria se lhe perguntassem quem é. Mas, ontem, a razão lhe fugiu.
O que aconteceu não foi pensado, foi sentido, foi além de sua alçada; e agora, nada mais fazia sentido.
Ele estava como que dividido no meio: um pouco dele estava nas nuvens, e a outra parte estava sentada naquele banco com os pés e os olhos no chão. Metodicamente ele tentava juntar suas partes, mas a leveza de uma insistia em inebriar a firmeza da outra.
Eu o observava de longe, vi a contradição contorcer seu rosto enquanto ele tentava encaixar tudo de forma precisa, quadrada e perfeita. Vi a dualidade dentro dele duelando entre si, vi tudo que se passava em seus olhos transparentes e distantes; e tudo que enchia a sua brilhante cabeça dura. O dia de ontem... o maldito (ou bendito) dia que bagunçou suas convicções e o deixou dividido, partido, quebrado.
Observá-lo era angustiante, mas mantive meu olhar - empático e curioso – sobre ele durante todo seu complexo processo de pensar o sentido. Foi assim que peguei o momento exato em que ele se irritou com todas aquelas peças que não mais se encaixavam e começou a juntar tudo de qualquer jeito, uma por cima da outra, uma através da outra; ele as misturou e uniu até confundi-las. Foi lindo vê-lo vencer a gravidade. Nessa hora ele impulsivamente esmurrou o banco da praça e se levantou para falar uma das palavras mais sábias já pronunciadas:
- Ah... Que se foda!
Abriu um sorriso e saiu andando leve.
 
Friday, May 14, 2010
  * POR UM VELHO CAMINHO
O sol bate na janela e sem permissão adentra o quarto, anunciando um novo dia. Ela calmamente abre os olhos, da mesma forma que abrira dezenas de milhares de vezes nos últimos 72 anos. - Este será um dia atípico, ela subitamente pressente. - Quer dizer, pressente melhor, o mais atípico que uma quarta-feira pode vir a ser para uma velha cansada e gasta como eu.
O velho deitado ao lado dela ainda dorme profundamente. Tão em paz, tão distante, tão alheio a qualquer problema lá fora - tão tudo isso - que a velha, com um suspiro, decide deixá-lo sonhando mais um pouco.
Ela acha ele confortável, sempre lá, sempre o mesmo. Ela sabe o que esperar dele, e o que não esperar também. - E é tão bom saber, ela pensa, tão adequado. Ela, que sempre gostara do confiável e constante, via nele uma poltrona reclinável.
A velha, então, veste as suas gastas pantufas de pano e coloca o pé esquerdo no chão, depois, trocando-o pelo direito, que logo é seguido pelo esquerdo; a velha caminha para fora do quarto, como sempre, com o pé errado.
E assim, meio sem querer, meio sem por que, sem nem ao menos pensar aonde quer chegar, ela deixa-se levar. E certamente iria parar na cozinha, onde geralmente começam todos os seus dias, se este fosse mais um típico dia dentre seus tantos outros dias. Mas hoje, seu destino será outro; hoje, a velha seguirá por um rumo que a levará muito além da tipicidade da chaleira, do fogão e do café com biscoito.
Enquanto ainda caminha por seu habitual caminho, a velha toma uma atitude inesperada e, de repente, desobedece aos seus pés e pára. Olha em volta e vê a sala toda limpa e organizada: com o mesmo vaso de flores de plástico sobre a mesma mesa de quatro lugares, o mesmo sofá coberto com uma mantinha de tricô para esconder as manchas acumuladas ao longo dos anos, e, no corredor, o mesmo tapete de sempre trilhando um caminho tão colorido e triste.
Ela pára sobre toda aquela mesmice e sente-se muito, muito velha. Ela sente que a morte está à espreita, só observando e esperando; sentindo-se, por fim, indignada consigo mesma por ser tão acomodada e nunca fazer nada, a velha enche seus pulmões com coragem e de forma obstinada decide, ali mesmo, viver o máximo que puder com todas as forças que ainda tiver todo o pouco tempo que lhe resta neste mundo tão grande que, por tantos anos, pareceu tão pequeno.
A partir de hoje, é ela quem controla os próprios passos e decide o próprio destino. Pisando forte e direito, a velha abre a porta da casa e sai para a varanda. Ela mora na praia.
Ela senta em uma cadeira esquecida e a torna sua preferida. Senta e observa o mar... observa enquanto àquela imensidão azul perde-se no infinito e, delicadamente, beija o céu no horizonte. Observa enquanto o vibrante sol toca as ondas do oceano com seu toque de Midas e as faz ainda mais preciosas. Espirais de espuma dourada pulando do mar para a areia, embaladas pelo eterno vai e vem que tudo cria, destrói e recria. Por um instante, ela abre seus olhos para o sol e sente-se preencher. Agora, cheia de amor, ela caminha pela praia deixando-se dourar, deixando-se elevar... levada por toda aquela luz.
Agora, a velha está ali: no meio de tudo, sendo parte do todo. E, por um instante, ela é plenitude.
O velho, que até então dormia confortável e totalmente alheio do mundo, abre seus olhos. Ele preguiçosamente calça suas pantufas e estaria pronto para começar seu trajeto até a cozinha, se este fosse mais um típico dia; mas, como já sabemos, este não é apenas mais um dia entre tantos. Hoje, ao colocar o pé para fora da cama, o velho pisa em algo que interrompe seu caminho. É a pantufa da velha, a do pé direito. A esquerda, ele encontra ainda no pé dela, jogada no chão, como ela.
 
Sunday, September 13, 2009
  * SILÊNCIO
Ela separou os lábios para se expressar

Mas, nenhuma palavra saiu daquela fenda

Ficaram presas na língua

Enroladas em algum nó de contradição

Somente o silêncio conseguiu sair

E falou por ela

Com aquele jeitinho tímido de quem cala

Então, ele olhou fundo nela

E os dois ficaram a se fitar por horas

Como quem tem muito a dizer, pensar e sentir

...

De repente, ouviu-se um beijo

Que desfez o nó na língua

E disse tudo.
 
É...acho que isso prova que fui alfabetizada. E só.

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